Artigos Izabele Kutz

No abandono da própria vida

 

Manhã de primavera, dia ensolarado e cheio de vida, entro numa fábrica para sessões de coaching com seus executivos. Recebo o primeiro, ele chega com um sorriso forçado e faz questão de começar contando suas últimas ações para seu desenvolvimento, ele tem o foco total em atender as demandas da empresa e, neste momento, uma delas é seu desenvolvimento como gestor.
Percebo tristeza em sua fala, muito embora ele me diga que tudo está indo muito bem, tem conseguido influenciar seus colaboradores e o ambiente de trabalho está melhorando.
Pergunto sobre como está sua qualidade de vida, ele começa a relatar sua rotina, toda voltada para a empresa…chega em casa tarde e vai responder aos e-mails que ficaram pendentes, precisa dar um direcionamento para aquilo que lhe chega, seja isso a que horas for. Ele tem a crença que alguém competente tem sua caixa de entrada sempre vazia e que pode ser avaliado pela quantidade de e-mails respondidos. Depois disso vai jantar, sozinho, pois a família, sabedora de sua prioridade, já jantou para não ter que esperar indefinidamente. Depois da refeição pensa em fazer algum exercício físico, mas como já são 21h está exausto e vai para o banho. Melhor checar se não chegou nenhuma resposta dos e-mails enviados, pode ser algo importante. Mais algum tempo no computador a trabalho, depois uma olhada rápida por alguns sites de notícias, já na cama, afinal como executivo tem o dever de estar bem informado, mas seus olhos estão cansados demais e acaba pegando no sono.
Acorda às 3h da manhã, pensando nas tarefas do dia seguinte e no desentendimento que teve com um outro executivo. Não consegue reconciliar o sono facilmente e só depois das 4h30 é vencido pelo cansaço. Às 6h00 o relógio desperta para mais um dia de trabalho na fábrica.
Numa de nossas sessões perguntei a ele sobre fatos importantes de sua vida e cabisbaixo me respondeu fatos tristes, pergunto sobre coisas boas e importantes e ele me relata quando foi aprovado para a vaga na empresa.
Esta história se repete com frequência em diferentes empresas de diversos ramos. Profissionais altamente comprometidos, comprometendo inclusive a própria vida em prol da empresa. Quanto se casam, cônjuges e filhos sentem na pele a ausência daquele que se orgulha por ser o provedor do lar. Ele é o provedor financeiro, o provimento de afeto de pai e marido muitas vezes é ignorado.
Geralmente estas pessoas tem um orgulho muito grande pelo que fazem, entendem que é disso que a família necessita: ele tem que “”ganhar a vida”.
A questão é: precisamos “ganhar” ou “construir” nossas vidas?
Me parece que quando o foco é ganhar, se deixa de lado áreas importantes como saúde física, saúde mental, desenvolvimento intelectual (aquele que não está voltado para a área de atuação), lazer (quem tem tempo para isso?), relacionamento com família. Os amigos, quando se tem são todos do ambiente de trabalho. Vida na comunidade, vida espiritual, estas áreas acabam ficando fora da agenda.

Toda ação gera consequências, tudo tem seu preço…

Os desfechos que presenciei em casos como este me levam a escrever este texto e procurar alertar aos que estão trilhando o mesmo caminho.
Um gerente foi denunciado ao sindicato, ficou exposto por suas falas que pediam mais comprometimento dos seus colaboradores a todo o custo, ele perdeu uma oportunidade de subir na hierarquia e foi deslocado horizontalmente para uma área sem muito destaque.
Outro teve um AVC e na iminência da morte seu foco mudou, hoje, apesar das sequelas, vejo-o mais feliz, cuidando da saúde, da família e sim, do trabalho também, mas com o equilíbrio necessário. Aprendeu a duras penas.
Uma gerente entregou-se a bebida para aplacar suas tristezas e solidão, a família o deixou, consequência do seu desequilíbrio na vida. Lembro que este desequilíbrio tinha uma intenção muito positiva, a dedicação ao trabalho para dar o “melhor para a família”.
Não estamos neste mundo somente para trabalhar e pagar contas. A vida é muito mais que isso e quem ignora as demais áreas acaba pagando o preço.
E você, que final terá a sua história de amor com sua profissão?